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OPINIÃO: Letra morta



Serei direto, pois o espaço é curto. Já mencionei em artigo anterior que o direito deve ser geral e uniforme. Deve se afastar dos casuísmos e subjetividades, justamente para poder cumprir com seu objetivo que é proporcionar previsibilidade. O problema surge quando o direito é aplicado seletivamente, de maneira flexível, conforme o sabor do aplicador. Perde-se aí a referência, virtude maior de um ordenamento jurídico sério.

É justamente o que se faz com nossa Constituição, cujos dispositivos não gozam do mesmo prestígio por parte de seus aplicadores, sendo alguns aplicados de maneira ampliada e outros, inclusive, solenemente ignorados, como se verdadeiramente não existissem.

Exemplo disso é o art. 37, XI, da Constituição, que diz expressamente, sem margem a outras interpretações, que nenhum magistrado ou promotor pode receber, a título de remuneração, valor superior ao que recebe um Ministro do STF. No entanto, segundo levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, cerca de 71% dos juízes brasileiros recebe remuneração superior ao teto constitucional.

De forma semelhante, o artigo 37, XII da Constituição deixa claro que os vencimentos dos cargos dos Poderes Legislativo e Judiciário não podem ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo. Contudo, nunca se cogitou dar aplicabilidade a este artigo. Não é segredo que os servidores do Executivo, em especial das áreas de educação e segurança pública, estão em franca desvantagem em relação a seus colegas de outros poderes, pelo menos no que diz respeito à remuneração.

Paradigmático também é o caso do § 4º, do artigo 39, da Constituição, que textualmente proíbe a incorporação de qualquer "penduricalho" à remuneração de juízes e promotores. Esse dispositivo, todavia, mesmo sendo inequívoco, nunca impediu que juízes e promotores recebessem o famoso auxílio-moradia, um "penduricalho", como se sabe, maior que o piso nacional do magistério.

Não contam com tanta generosidade os aposentados e pensionistas do INSS. O artigo 201, § 4º, da Constituição, lhes assegura o reajuste dos benefícios para preservar-lhes o valor real. No entanto, para o STF esse dispositivo não é "autoaplicável" e, na prática, não tem serventia nenhuma.

Para encerrar, pelo menos por hoje, nossa Constituição diz em pelo menos três pontos que tributos somente podem ser criados ou majorados por lei (arts. 5º, II, 37 e 150, I). No entanto, Michel Temer não teve dificuldade nenhuma de elevar a alíquota de PIS/Cofins sobre os combustíveis por meio de um simples decreto.

São essas, como tantas outras, "letras mortas" de nossa Constituição. Dispositivos que foram lá inseridos para serem aplicados, mas inexplicavelmente não são. Estão esquecidos, como se não existissem ou não merecessem atenção. Vou me eximir de estabelecer uma conclusão. A liberdade de expressão está prevista no art. 5º, IX, da Constituição, mas tenho razões para não me sentir seguro quanto à sua aplicação.

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